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Céu de Inverno & Flor de Ipê

Quando a gente chegou na combinação de cores do Azul Céu de Inverno do Felipe e do Amarelo Flor de Ipê do Renato eu confesso que morri um pouquinho de fofura - hihihi. Uma das combinações de cores mais lindas aqui de Beagá, que só acontece junta ali entre julho e setembro. E assim como essas cores se harmonizam e se complementam, esse casal também.


Vocês podem me contar um pouco de como foi o processo de autoconhecimento de vocês?


Renato: Acho que meu processo de autoconhecimento começou na infância, percebendo que já havia algo de “diferente” comigo.


Eu tenho uma irmã e eu sempre fui muito ligado a ela, sabe? Apesar de apenas um ano mais velha, ela era uma referência pra mim (e ainda é). E não só isso, era com quem eu brincava também.


E isso era uma coisa meio polêmica lá em casa. “Ah, seu pai não pode ver!” Porque eu queria brincar com ela, queria brincar de boneca e não, não pode! Ter essa curiosidade negada na infância foi algo complicado. Queriam que eu brincasse de carro, mas meu interesse (disfarçado) estava era no carro da Barbie, todo rosa choque, uma Ferrari brilhosa belíssima! (hahaha)


E aí desde pequeno eu percebi que eu tinha uma coisa diferente em mim e também me contam que eu sempre queria ser diferente dos outros, de me destacar. Isso sempre foi e faz parte da minha personalidade e talvez seja um dos motivos para que eu me conecte tanto com a cor amarela, por ser mais forte e chamativa.


Na adolescência, principalmente no ambiente da escola, esse meu traço também esteve presente. Sendo uma pessoa muito comunicativa e extrovertida, eu conversava com todo mundo, era representante de turma e membro do grêmio estudantil. E foi nessa época que eu comecei a perceber meu interesse pelos meninos.


Meus pais já foram chamados na escola, porque a coordenação estava preocupada que alguns colegas fizessem bullying comigo pelo meu jeito de ser, que era visto como “diferente”. E aí, meus pais vieram conversar comigo sobre isso e eu fiquei: “Tá rolando isso? Porque não está sendo na minha frente, eu não estou tendo essa percepção, então, se eles estão fazendo isso, está sendo por trás de mim”.


No final do ensino médio, eu senti a necessidade de contar para os meus pais. Mas esse meu traço, infelizmente, foi visto por eles como uma fase do tipo “tá querendo aparecer”, tentando justificar aquilo sob o pretexto de “você quer sempre ser diferente” ou “está inventando moda”, sabe?


Eu tinha muita dificuldade de viver uma vida dupla e isso estava me afastando da minha família, porque eu ficava me policiando, com medo de falar alguma coisa que me denunciasse, do tipo “dar com a língua nos dentes”. E aí eu fui construindo essa necessidade de falar com eles, mas sempre com muito medo da rejeição, de ser uma coisa do tipo assim: a casa caiu. A gente tem esse medo de ser expulso de casa, né? Embora na época tenha sido difícil para todos nós, aos poucos e com muito diálogo tudo foi se ajeitando.


Felipe: Isso que você falou de uma vida dupla, para mim, já funcionava muito bem e eu ficava de boa com isso. Meu processo de identificação foi uma coisa mais introspectiva, então eu não dividia isso com muita gente. No momento em que eu comecei a dividir, eu passei a estar também dividido entre dois grupos: “o que sabe” e “o que não sabe”. Isso teve também um lado muito ruim, porque acabou me afastando de pessoas de quem eu gostava muito.


O meu processo tem ficado mais aberto por agora, até por conta de eu estar me relacionando com o Renato. Assim, a minha família, que até pouco tempo não sabia, hoje já sabe e ele frequenta a minha casa e tal.


Acho que eu nem pensava muito sobre o que estava acontecendo comigo. Acredito que foi a defesa que eu criei, isso de escolher os lugares onde podia ser “de um jeito ou de outro”. Aos poucos eu ia processando e seguindo a vida, no meu ritmo, sem pensar muito no próximo passo, entende?


Dia desses eu estava conversando com uma grande amiga que conheci na faculdade sobre essa sensação de que nós, como pessoas LGBT, estamos sempre correndo atrás de “compensar” de alguma forma. Acho que por isso eu sempre me esforcei muito na escola.


Eu sempre tentei ser o aluno exemplar, o filho exemplar, o filho que não dá trabalho. Então assim, tudo isso aí que eu estava falando para ela, acho que é uma forma nossa de defesa, de pensar: “Eu sei que tem algo diferente em mim, algo que talvez não seja legal para os outros. Então, o que eu preciso fazer? Eu preciso compensar, então eu vou buscar ser bom, eu vou estudar para caramba, eu vou passar nas matérias e etc., eu vou tentar dar o mínimo de trabalho para os meus pais”.


E na minha casa eu também tenho um irmão mais velho, que é assim, coisa de 1 ano e meio, 2 anos de diferença de mim. Nesse contexto, e como somos pessoas completamente diferentes, eu sentia uma pressão muito grande de me comparar com ele. Talvez fosse até mesmo coisa da minha cabeça, rs... Enfim, algo para tentar desvendar em algumas sessões de terapia, rsrsrs... Lembro que meu pai nos levava para a escola de futebol e eu ia mesmo sendo uma coisa que na verdade eu detestava. Acho que, no meu íntimo, talvez eu sentisse que fazer aquilo era algo que esperavam que eu fizesse, porque ele também fazia. E assim, mesmo não gostando, eu ia para suprir essa expectativa e sem ter coragem de dizer que na verdade eu não queria estar ali, porque não me identificava com aquilo.


Lá em casa era assim, mas na escola, a questão do bullying que você chegou a comentar, eu acho que eu criei defesas para isso e a minha defesa foi me apagar, não aparecer, ficar mais calado e quieto, porque assim eu passava despercebido. E aí, eu tinha mais chances de não sofrer com isso, disso não ser mais um problema para mim.


Durante o ensino médio, percebia que rolavam uns bullyings bem pesados com alguns colegas da minha turma, mas como eu ficava mais na minha, eu acho que eu não era o alvo preferencial, porque tinham pessoas que se destacavam mais. Acho que essa foi a minha forma de lidar com aquela situação. Na época eu não entendia direito o que estava acontecendo, mas eu pensei: “vou sobreviver ao ensino médio dessa forma”. Agora que a gente está mais velho, começa a pensar e chega a essas conclusões.


Vocês já tiveram algum caso que sentiram medo apenas por serem quem são?


Renato: Eu lembro que uma vez estava fazendo um trabalho de escola e teve uma coisa que me marcou muito. O grupo era eu e mais umas 4 meninas e nós estávamos na casa de uma delas mais nos divertindo e conversando do que propriamente fazendo o trabalho.


E aí, do nada, brotou um irmão dela, muito maior e mais velho do que eu, aos berros comigo e, tipo assim, me expulsando do apartamento: “Porque gay não podia entrar na casa dele!” Essa minha colega ficou meio de cara, meio desesperada e foi para cima dele, mas obviamente eu fui embora, porque eu pensei: “Eu é que não vou ficar aqui, não é?” Fui embora a pé pra minha casa, com uma sensação horrível, de não ter me defendido. Mesmo hoje, sendo completamente aberto quanto à minha sexualidade, é difícil prever como iremos reagir a situações como essa (que não deveriam nem acontecer).


Felipe: Eu nunca fui fisicamente ameaçado como você, mas sinto que já sofri muita ameaça psicológica, mais no sentido de não ser uma ameaça física real. Porque desde pequeno a gente aprende a se segurar e não se colocar em situações de “risco”, acho que justamente pelo medo de tanta coisa ruim que a gente vê e escuta por aí.


Sinto que vivemos essa “ameaça invisível” o tempo inteiro, de chegar em um ambiente e já sondar e imaginar na hora o que se pode e o que não se pode fazer ali. Eu vivi tanto tempo com esse medo que, para mim, coisas simples como dar as mãos em um lugar mais cheio, tipo em um restaurante, ainda me deixam meio desconfortável.




Bom, já que tamo aqui de casal, me contem um pouquinho de vocês.


Renato: A gente se conheceu em 2018 por meio de um aplicativo de relacionamento (acreditem se quiser, hahahaha). Começamos a namorar em 2019, então já estamos juntos há mais ou menos 3 anos e 6 meses.


Felipe: Era muito engraçado no começo, porque às vezes a gente se encontrava, passávamos alguns momentos juntos e tal, mas era algo mais espaçado. No Carnaval de 2018, embora a gente não tivesse combinado de se encontrar, nos esbarramos TODOS os dias, assim, no meio da rua, totalmente por acaso.


Renato: Daí o tempo foi passando e fomos criando mais intimidade, mas só em 2019 a gente começou a namorar mesmo.


Felipe: Um ano depois veio a pandemia e eu comecei a passar mais tempo na casa dele e fui ficando... fui levando umas coisas, fui levando outras e outras... eu ainda tenho minha casa, mas daí a gente, nesse período, meio que ficou morando junto e agora eu já estou quase 100% acostumado com a ideia de que eu estou morando lá também.


Renato: Tá aqui ó, Tá gravado! Viu? (hahahaha)


Felipe: É... Acho que é isso, né? Estamos morando juntos, rs.


Por fim, vocês têm um desejo pra um mundo mais colorido?


Felipe: Eu acho assim, um mundo com mais amor, mais tolerância e empatia, né? Um mundo onde as pessoas sejam o que elas querem ser, sem ter que se esconder.


Renato: Se eu pudesse ter um desejo, eu queria que os pais tivessem menos expectativa nos filhos. Apenas ali, um desejo de que a pessoa seja feliz, não importa o que ela queira ser, fazer, sem grandes demandas e cobranças.








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