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Sempre Comigo

O Matheus sempre soube que seu Amarelo Sempre Comigo fazia parte de quem ele era, mas por muito tempo isso era uma coisa para esconder do mundo. Na nossa conversa ele me conta dessa força e dessa energia que ele sempre teve e do seu desejo de mostrar cada vez mais ela para o mundo.


Matheus olha para a direita com um sorriso largo no rosto, ele usa maquiagem amarela nos olhos com dois riscos na sobrancelha também amarelos. Ele tem um adereço dourado na orelha e o fundo da foto é amarelo.

Eu era bem criança, sabe? Muito criança eu já sabia que tinha alguma coisa que era diferente. Mesmo por falta de referência, eu não tinha referências diferentes. Eu sabia que não podia ser exposto, porque não seria bem recebido, que “aquilo” não era o esperado mesmo não tendo tanta consciência do que que era “aquilo” e como que era “aquilo”. E aí é muito engraçado porque começou a ser um segredo a ser guardado só para mim, sabe? Tipo assim, como se eu tivesse que guardar um segredo. O tempo todo!


O que que é isso, né? Eu já conseguia perceber que eu era diferente do que era esperado ali. Pra sei lá, para os meninos, por exemplo, eu já tinha entendido, só que ainda não tinha se formado o entendimento, não era tão claro para mim. O que que era. Como que era. Eu nem entendo direito como que é isso. Assim, na cabeça você saber e não saber ao mesmo tempo. De ficar nessa negação até pra você.


Eu acredito que não foi só por ter ouvido alguma coisa, mas por olhares também, sabe? Eu lembro assim, por exemplo, a primeira vez que eu fui pra escola que uma menina perguntou assim pra mim: Por que você fala igual menina? E aí eu já comecei assim nossa, meu Deus do céu, agora eu tenho que engrossar minha voz, não posso mais falar de qualquer forma, eu tinha 5 anos.


Eu era muito tímido, eu não tinha amigos, a não ser minhas primas, mas na escola eu não tinha amigo, não conversava com quase ninguém, ia e ficava sempre quieto, sempre calado, sempre sozinho.


Sabe? E aí vinha todo esse processo. Lembro que eu mudei de escola. Daí uma vez um menino falou que eu tinha tocado nele! E eu comecei a pensar nisso, nossa, pelo amor de Deus, ele vai começar a falar que eu sou gay. Todo mundo vai começar a achar que eu sou gay! Eu fiquei apavorado! Então assim, no fundo, eu sabia que tinha alguma coisa mesmo, sabe? E era isso, minha sexualidade, minha identidade, o que eu era.


Matheus olha para a esquerda com o rosto inclinado para cima da câmera.

E o tanto que foi um processo muito ruim. Essa coisa de escola para mim era muito ruim. Eu sentia o tempo todo como se eu tivesse que estar ali escondendo alguma coisa, como se não pudesse ser eu.


Como se eu tivesse que estar sempre apagado, quieto. E foi assim durante muito tempo e até hoje ainda tenho dificuldade com situações que envolvem muitas pessoas, parece que me leva para aquele lugar, ou me lembra de como é estar nesse mesmo. Isso não muda de um dia para o outro.

E você se lembra de quando você foi sendo mais acolhido? Tanto você com você quanto com o mundo externo?


Eu vivi muito nesse processo de negar mesmo não tendo consciência e quando passava pela minha cabeça em alguns momentos que eu tinha alguma proximidade mais concreta, eu também pensava assim: Você sente atração por homens, não é? Você quer se relacionar com homens? Nossa beleza, mas você não vai se assumir, você não pode.


E aí eu lembro que eu fiz intercâmbio e fiz amizades, fiz um amigo que era gay e fui conseguindo ser um pouco mais eu, me sentindo mais à vontade, mais acolhido. Fui me permitindo viver mais, me abrir mais. E fui tendo outras referências.


Matheus está de olhos fechados com o rosto para esquerda e levemente inclinado para cima da câmera.

Mas mesmo nesse processo de fazer amizades e ir me abrindo mais, eu ainda não conseguia me aceitar e falar sobre com as outras pessoas. Ainda demorei, só que eu comecei a me permitir mais, sabe? Eu comecei a ser mais eu. Eu comecei a aceitar que eu podia gostar de algumas coisas, porque eu não me permitia ouvir as músicas que eu gostava. Eu não podia assistir o que eu queria. Eu vivia o tempo todo naquele controle, sabe? Me vigiando mesmo. Eu me vigiava.

E aí eu lembro que com 18 anos eu cheguei no meu limite. Eu estava extremamente triste, extremamente infeliz. Eu falei, velho, eu não consigo mais viver assim. Não consigo mais. Não dá mais para continuar vivendo sem ter prazer, sem poder gostar do que eu gosto. Sem poder assistir o que eu quero assistir, ouvir o quero ouvir, ser quem eu sou, quero dançar, sei lá, me vestir como eu quero. Tudo, sabe?


E eu fui começar a me permitir mais, pequenas coisas, e contei para uma amiga. E aí que eu fui ficando mais tranquilo mesmo em relação a mim. Assim que eu fui explorando mais, que eu comecei a sair, fui contando para minhas outras amigas e eu fui começando a me permitir cada vez mais.


Matheus olha para a câmera com um sorriso largo no rosto.

Chegando já no momento mais presente, como é ter o Amarelo Sempre Comigo com você atualmente?


Hoje em dia eu já consigo ser bem mais eu. Assim não é fácil, mas eu consigo ser mais eu mesmo. Eu gosto disso, eu quero fazer isso, coisas que são muito simples assim, mas que durante tantos anos eu não me permitia, eu não conseguia fazer. E é tão gostoso eu poder fazer as coisas que eu quero, eu poder gostar do que eu gosto, né, tipo. Me relacionar com quem eu quero.


E só que assim é muito engraçado também como que às vezes eu percebo que até hoje ainda tenho algumas questões, sabe? De às vezes sentir algumas culpas, por exemplo na questão sexual, às vezes eu continuar achando que ainda tem que ser uma coisa marginal, que não pode ser uma coisa tranquila.


E ainda tenho muito essa questão da insegurança também. Aquele dia quando você me apresentou o Onicolor, e eu me vi nessa situação de me expor assim, eu comecei a ficar nervoso. Começou a me dar um pouco de ansiedade. Eu falei assim, nossa, não consigo, é muito difícil pra mim chegar e conversar sobre esse tema e de ocupar esse lugar.


E eu vejo que pode ter vindo muito daquele lugar mesmo, sabe? Daquela criança que estava ali o tempo todo sozinha, ali na escola, que não queria se mostrar e que tinha medo o tempo todo. De ser descoberta de alguma forma. É como se eu voltasse naquele momento, como se eu ainda tivesse que me esconder até hoje.


Quando você me convidou, me veio isso, um medo muito grande, e isso acontece toda vez que eu penso em ocupar algum lugar de exposição, mesmo em mínima escala, por exemplo estar numa mesa com mais pessoas. Se eu pegar e falar já começa. Não, não quero dizer isso, me deixa quietinho aqui no meu canto. E o tanto que eu fui me relacionando com isso.


Só que aí eu falei assim pra mim: Mas Matheus, porque não? Por que você não pode também se expressar, se colocar? Se deixar ser visto. E o que que tem às vezes, ocupar outros lugares? Você pode ocupar outros lugares!

Matheus olha para a esquerda.

Não precisa estar sempre escondido, sempre quieto, sempre com medo. Com medo de ser ridicularizado, porque eu acho que em algum momento vão rir de mim. Acho que vão olhar para mim e vão falar que eu sou todo errado, que não posso ser assim.


Mas assim, eu sei que eu tenho uma força, que eu tenho uma energia e eu sinto isso. E eu olho para mim lá atrás e eu sempre tive. Infelizmente, eu não estava num lugar ideal assim, de não ter o mínimo ali para conseguir dar vazão, me expressar e colocar essa energia para movimentar. Mas, tipo, tava ali! Tá aqui!


Eu acho que eu ainda preciso repetir muito isso para mim para acreditar nisso, sabe? E para eu conseguir de fato ser quem eu quero ser, ser mais próximo do que eu quero ser. Fazer coisas que eu quero fazer assim e conseguir ocupar outros lugares.


O amarelo sempre comigo é bem brilhante como o Sol

E qual um desejo seu para um mundo mais colorido?


Um mundo com mais respeito! Onde seja possível ser quem você realmente é, ser em sua plenitude. Sendo respeitada da forma que é. E possa viver isso de uma forma tranquila. Que não seja uma coisa sofrida, que não precise de ser um segredo guardado até de si mesma. E que a diversidade seja vivida, seja celebrada, assim nas suas inúmeras possibilidades e potências, de todas as formas.

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